sexta-feira, 15 de abril de 2011

CONTO: A CASA DOS MORTOS

A CASA DOS MORTOS

As margens do rio Moju existem inúmeras taperas e uma especial, pois lá era utilizada para deixar os leprosos e todos os que apresentavam qualquer tipo de doença não curável na época no Estado do Pará. Este lugar também era utilizado para servir de refúgio a inúmeros assassinos ou demais criminosos que utilizavam o local para se defender da polícia, visto que nenhum policial se manifestaria a ir até lá. Na verdade deste lugar tinham pavor pelos leprosos e também pelos criminosos.
Lá viveram e morreram centenas de pessoas das mais diversas doenças. O cemitério era ao lado da casa. O casarão de madeira era enorme para comportar um grande número de pessoas. Existiam dezenas e dezenas de quartos e um corredor imenso.
Com o tempo após a morte de todos que lá habitavam, restou uma enorme tapera com centenas de árvores frutíferas plantadas pelos doentes. No entanto, dizem que o local era aterrorizador, ninguém podia morar lá que apanhava da visagem. Ela os botava para correr. Podia ser o mais corajoso dos homens pegava muita porrada, eram tapas, chutes e pontapés que o caboclo se jogava pela janela rebolando, levantando e caindo de tanto apanhar.
A terra era muito produtiva e os roçados davam muita mandioca, só que se trabalhava de dia e antes do anoitecer tinha-se que ir embora para o outro lado do rio onde morava o dono e demais vizinho. Nenhuma viva alma morava próximo da tapera.
Um dia apareceu uma família muito humilde a procura de trabalho e de um lugar para morar. Era um homem, sua mulher e duas crianças, um de Sete anos e outro de Cinco.
O empresário falou que não tinha nenhuma casa disponível deste lado do rio, a única casa desocupada era a da outra margem, mas havia um problema com a visagem que colocava seus moradores para correr debaixo de porrada.
O homem aceitou o emprego e de morar na casa mal assobrada com sua família. Foram para a casa e arrumaram seus troços nos cômodos. Depois foram parar o retiro fazer farinha.
Quando deu quase seis horas da tarde a família lembrou que não havia querosene para colocar nas lamparinas e iam passar a noite no escuro.
O marido da mulher disse a ela que ficasse com as duas crianças que ele ia bem rápido na casa do patrão do outro lado do rio comprar o querosene e comida e voltava o mais rápido possível antes do dia escurecer. Ele pegou o casco e remou o mais depressa para a casa do seu patrão.
Como força do destino assim que chega na casa do patrão se forma uma imensa tempestade com trovoada e relâmpagos não deixando o homem voltar para sua família que ficara na casa com fome e no escuro.
A partir do momento que anoitece a mulher e as duas crianças começam a ouvir conversas, passos e gemidos, e arrastar de correntes e o amolar de terçado, enxadas e foices.
As visagens começaram a acender velas pela casa que num instante ficou toda iluminada. A mulher e as crianças ouviam vozes, mas não viam nada. Nesse instante um dos meninos disse que estava com sede e sua mãe disse que não dava para ir até a cozinha só para pegar água para ele. No entanto, assim que olha para o lado viu que alguém trouxe o pote e colocara próximo da rede onde estava deitada com os dois filhos, ela sentiu seu cabelo arrepiar e um calafrio por todo o corpo.
Ela fechou o olho, suspirou bem fundo, pega o copo e dá um pouco de água para as crianças. Quando de repente começam a ouvir um passos que vem no corredor em direção ao quarto onde estão. Ouvem-se o ranger das tábuas sob os pés da visagem e o barulho de seus passos, trau, trau, trau, trau, trau, trau. A mulher paralisada de medo não respirava e nem piscava.
Quando a visagem chega próximo ao quarto ela estanca para atender alguém que está gemendo de dor e agonia no corredor como se estivesse morrendo.
Huuuuuum, aiiiiiiiiiii, uiiiiiiiiiiiiii, háaaaa, hum.
Nisso chega outra visagem e pergunta:
__ Como está o doente?
A outra visagem responde.
__ Ele acabou de morrer.
A mulher e as crianças tudo ouviam e estavam apavoradas e morrendo de medo, mas não podiam fazer nada, correr para fora ia ser pior porque a chuva estava muito grossa, relampejando e as visagens estavam andando e conversando do lado de fora da casa, além de estarem amolando suas ferramentas de trabalho como foices, machados, enxadas e terçados num ranger incessante entre o almeril e a ferramenta. O único jeito era ficarem quietos rezando e pedindo para Deus ajudá-los e protegê-los.
As outras visagens vieram ver o que tinha acontecido, e quando souberam que o doente acabara de morrer começaram a puxar tábuas, e serrar com o serrote, enquanto um martelava, outros pregavam e só pararam quando o caixão estava pronto.
Nisso uma das visagens pergunta quem vai vigiar o morto, pois nós temos que ir trabalhar. Aí uma das visagens diz:
__ No quarto do lado tem uma mulher, vamos pedir para que ela vigie o caixão.
A mulher tudo ouvia e seu coração só faltava sair pela boca, as crianças já estavam dormindo e era de madrugada.
As visagens vieram até a mulher e disseram para que vigiasse o defunto até de manhã e que não deixasse acontecer nada com o caixão senão seus filhos ficariam presos para sempre na casa junto com os mortos.
A mulher viu as visagens saindo conversando em direção ao roçado até que parou de ouvir as vozes ao longe. Ela olhava para o enorme caixão todo iluminado com centenas de velas em cima de uma mesa.
De vez em quando alguma coisa se mexia dentro do caixão quase caindo da mesa e a mulher se preparava para segurar com muita força para que não caísse já que a altura era grande e temia pelo que as visagens poderiam fazer com seus filhos se alguma coisa acontecesse com o caixão.
Toda vez que a mulher tentava se aproximar do caixão o defunto se mexia lá dentro. Assim, ela vigiava de longe, só olhando e rezando para Deus não deixar que nada de mal acontecesse com ela e seus filhos.
Quando o dia ia amanhecendo a mulher percebeu que como por encanto as velas sumiram de toda a casa ficando a penumbra do amanhecer. A única claridade vinha de dentro do caixão que brilhava por entre as fechas das tábuas.
A mulher se aproximou do caixão, e o defunto lá dentro brilhava com uma luz intensa, ela pensou que fosse uma alma penada e que estava no meio de fogo do inferno, que o brilho fosse as chamas do fogo. Num lampejo de fúria e humanidade pensou em ajudar a alma penada soltando ela do caixão.
A mulher pegou um martelo e despregou a tampa do caixão. Quando abriu com toda a força e rapidez viu que dentro do caixão tinha uma coisa surpreendente.
O caixão estava cheio de riquezas em ouro e pedras preciosas. Nesse momento seu marido vai chegando e o dia já amanheceu. Ela acabou de passar pela pior noite de sua vida. Mostrou ao marido o tesouro que estava no caixão, eles colocaram em vários sacos e embarcaram no casco, pegaram os filhos e foram embora no mesmo momento para bem longe da casa dos mortos.
A tapera existe até hoje, no entanto, a maioria das grandes árvores de centenas de anos como piquiazeiros, castanheiras e bacurizeiros foram jogados ao chão pelas madeireiras.
Não há vestígios mais do cemitério, só relatos de que o local até hoje ainda é muito visagento que arrepia os cabelos do corpo e o ouvido faz tiiiiiiiiiiiiiinnnnn num zumbido de dor e a sensação de que tem alguém do seu lado ou atrás de você o tempo todo quando vai juntar as frutas da tapera. Às vezes você tem a impressão de estar sendo observado por alguém e sente uma sensação de frio e arrepio do cabelo num medo imaginável, pois apesar de a casa dos mortos ter sido destruída eles continuam com suas almas presas até hoje no local.

CONTO: A VISAGEM SEM CABEÇA


A VISAGEM SEM CABEÇA

Lá no Curuperé há muito tempo atrás aconteceu um fato que marcou a vida de muita gente numa noite de festa na comunidade em uma casa onde encontrava-se quase toda a população reunida e que passaram uma noite horripilante.
Era noite e estavam em festa em um barracão, já era tarde e tinha acontecido umas três porradas entre os caboclos do lugar. Tudo por causa de uma linda mulher que atraía a atenção de todos os homens. Cada qual queria dançar com ela, e isso fazia com que os mais exaltados e ciumentos puxassem confusão e a briga acontecia. Era tapa, sôco e murro, briga somente no punho, na mão, nada de arma além dos músculos.
Quando deu umas meia noite a mulher sumiu da festa e os homens começaram a procurar por ela e não encontraram. Até que um deles quando dirigia-se para o retiro viu alguma coisa estranha dentro da tábua de amassar mandioca, e que chamam de maceira. A cabeça da mulher mais desejada encontrava-se dentro da maceira. Ele mais que depressa gritou para as pessoas que chegaram um após o outro.
A procura foi intensa pelo corpo da mulher, mas nada foi encontrado. Eles não sabiam o que fazer com a cabeça, uns diziam para enterrar, outros queriam que ficasse dentro da maceira até o outro dia quando a polícia chegasse e outros queriam levar para o local onde estava acontecendo a festa para ser velado, mas as pessoas queriam continuar a festa e a maioria decidiu que deveriam enterrar, e foi o que fizeram.
Quando foi umas quatro da madrugada ouviram um barulho ensurdecedor vindo do retiro era algo que representava dor. Eles pararam de dançar e ficaram escutando, o grito de desespero era algo sobrenatural, pois nenhum ser humano poderia emitir um som tão intenso que fazia com que a alma da pessoa parece sair do corpo.
A visagem chegou no retiro e procurou sua cabeça dentro da maceira e quando ela não encontrou começou a gritar desesperada com a dor vindo do fundo de sua alma animalesca. A mulher quando ia virar um tipo de bicho ela arrancava sua cabeça e nascia outra por dentro do pescoço em forma animal. Ela deixava a cabeça escondida para quando fosse desvirar.
Quando ela chegou para se destransformar e pegar sua cabeça de volta e não encontrou ela saiu desesperada a procurar e como não achou ela foi direto para a festa que estava acontecendo com tanta raiva para provocar a pior desgraça possível até ter sua cabeça de volta.
A visagem sem cabeça parou o motor e o salão ficou escuro. As pessoas começaram a gritar desesperadas de medo e de dor, pois pelo meio do salão as pessoas caiam ensaguentadas, com braços pelo chão, pernas decepadas e cabeças rolando. Era desespero e gritos para todo lado, as pessoas corriam e muitos conseguiram escapar do salão. Eles sabiam que a única saída era desenterrarem a cabeça dela e devolver.
Aos prantos das mulheres e gemido dos homens que conseguiram sair do salão foram todos desenterrar a cabeça e colocar dentro da maceira. Quando desenterraram ela já estava viva e gritou para o seu corpo chamando-o. Quando escutou o chamado a visagem saiu em direção a sua cabeça.
O dia já vinha amanhecendo e as pessoas estavam ensaguentadas, amendrontadas e amontoadas, a visagem sem cabeça havia pego sua cabeça e desaparecido. A mulher nunca mais foi vista. Eles foram cuidar dos feridos e enterrar os defuntos que haviam sido mortos pela visagem. As pessoas custaram esquecer o fatídico incidente com esta visagem que tirava a cabeça para desenvolver o seu fado. Todos que passaram por essa noite de horror envelheceram e morreram, mas o fato de horror pelo qual passaram está presente na mente de algumas pessoas idosas do local.
Quanto a visagem sem cabeça dizem que continua o seu fado nas noites até o fim dos tempos passando de corpo em corpo. É uma visagem que precisa de um parente de sangue, pode ser irmão, sobrinho ou neto. Somente após encontrar a pessoa certa para passar o seu fado de visagem, este agora pode morrer sabendo que alguém vai continuar a passar pelo mesmo ritual de magia e misticismo até desencarnar fazendo o mesmo processo por todos os tempos.

CONTO: ROMANINO

Conto 01

ROMANINO


Lá no Alto Moju, passando a Vila da Soledade, há muito tempo atrás morava uma família grande composta pelo casal e uma porção de filhos. Um dos rapazes se chamava Romanino, era um jovem com 17 anos, magro de uma boa estatura, pele clara e um excelente caçador. Ele tinha um tiro certeiro de acordo com os relatos.
A família também tinha excelentes cães de caça treinados com faro para cutia, paca, tatu, veado e catitu, alguns chamam de porco do mato ou queixada, pelos enormes dentes. Romanino na verdade matava qualquer tipo de caça.
Na manhã de 12 de junho dia de Nossa Senhora do Carmo, os jovens estavam se preparando para ir a festa da padroeira dos católicos da Vila do Carmo no município de Cametá.
O pai de Romanino quando viu que o filho não ia pediu a ele que fosse caçar, pois estava com muita vontade de comer carne de caça. Romanino não queria ir dizendo que estava cansado e que também era feriado, mas depois de muita insistência do pai e porque era um filho obediente decidiu sair para caçar.
Romanino pegou a espingarda e chamou os três cães de caças da família e se foi para as matas do Umarizal na busca de matar uma caça para saciar o desejo de seu pai.
Romanino saira de sua casa pela manhã, chegou a noite e ele não voltara, a preocupação dos pais era muito grande. Os vizinhos foram avisados e saíram na escuridão da mata atirando para o alto e gritando por ele, mas como por encanto, havia desaparecido junto com os cães sem deixar vestígios.
As pessoas ficaram procurando até altas horas da noite, mas depois de exaustos de cansaço e nada encontrando decidiram voltar para suas casas e recomeçar a busca no outro dia.
No dia seguinte enquanto a polícia foi acionada os vizinhos fizeram uma intensa varredura nas matas do Alto Moju, mas precisamente nas matas da localidade do Umarizal, mas nada foi encontrado nem sequer uma pista nem de Romanino nem dos cães. Foram dias de procura e decidiram suspender as buscas.
A família triste com a perda e arrasada ainda ficou semanas procurando e nada, o pai de Romanino se sentia culpado pelo desaparecimento do filho e não se perdoava chorando o tempo todo. Assim, decidiram se mudar do Umarizal para reconstruírem a vida em outro lugar e tentar amenizar a dor da perda que estavam sentindo.
Até hoje ninguém soube realmente o que aconteceu com Romanino, existem algumas versões, têm pessoas que dizem que por morarmos em plena floresta no meio da Amazônia que é cheia de animais de várias espécies o Romanino pode ter sido engolido por uma anaconda, e o mesmo teria ocorrido com os cães que foram pegos quando tentaram defendê-lo. Por isso desapareceram sem deixar vestígios.
Devido a mítica muito forte do povo das florestas e caboclo amazônida a explicação mais difundida é a de que Romanino fora encantado por uma das manifestações lendárias como a curupira, mãe d’ água, mãe do mato ou outro ser místico da Floresta.
Para reforçar o conto de que está encantado junto com os cães existem inúmeros relatos de caçadores do Umarizal de que quando estão caçando pressentirem Romanino. Há quem até tenha ouvido ele arribando e os cachorros latindo. Há até um relato ocular recente de que uma noite os trabalhadores madeireiros que transportavam no caminhão toras das matas do Umarizal terem visto um rapaz com uma espingarda no ombro e três enormes cães atravessado muito rápido o ramal pela frente do caminhão e descrição de Romanino.
A história de Romanino ter desaparecido junto com os seus três cães em uma caçada é uma história verdadeira que ocorreu no Umarizal. Quanto ao que aconteceu com ele depois de mais de meio século do ocorrido não se têm uma explicação oficial, mas apenas especulações e suposição do ideário que faz parte das manifestações místicas do provo amazônida.
Hoje a história de Romanino não se resume a apenas o povo do Umarizal, mas já é bastante difundida por todo o município de Moju entre os moradores. A única coisa certa é que realmente o fato aconteceu, quanto a explicação fica por conta da crença de cada um que ouve a história do Romanino que está presente e vivo na memória do povo mojuense.
Esta história foi contada pela dona Diva, esposa do senhor Acácio, que moram na boca do igarapé do Umarizal ao recenseador do IBGE Raimundo Gomes de Souza em junho de 2007.